solid words, liquid thoughts

cuca fundida.

Sunday, October 08, 2006

Desconexa (2)

Vou te contar um segredo. Aqui mesmo, no meio de todo mundo. É o melhor jeito de ninguém prestar atenção no que estamos fazendo.

Não faz muito tempo, eu tinha freqüentemente a sensação de que minha vida era um teatro. Pronto, falei. Era assim, às vezes eu estava fazendo as coisas mais banais, como tirar o almoço do forno e eu sentia ao mesmo tempo que eu estava assistindo à minha própria vida de fora. Tinha certeza de que minhas falas, nos próximos minutos, eram pré-definidas.

A sensação não durava mais que alguns segundos, mas me deixava atordoada por um bom tempo, olhando para pais e amigos, sem saber o que era verdadeiro. Até hoje lembro exatamente como era.

Ontem percebi que nunca mais senti essa desconexão. Será que me conformei com a vida, me adaptei? Talvez a Rotina, aquela destruidora de paixões, tenha me anestesiado, ou talvez a vida de cientista tenha me acorrentado ao chão.

Não sei porque fui lembrar disso hoje. Mas a estranheza ficou, um amargo na boca depois da sobremesa, que destoa do dia ensolarado lá fora. Sem saber o que fazer, levantei e fui fazer almoço.

Desconexa

Chegou na festa sozinha. A noite estava agradável, nem muito fria, nem muito quente, e a chuva parecia ter cessado até o dia seguinte, pelo menos. Melhor assim, a festa era ao ar livre.

Caminhava entre os grupos de pessoas deixando o murmurinho de conversas jogadas fora lhe envolver. Às vezes via algum rosto conhecido, mas não muitos. Não importava, essa noite preferia sua solidão.

Observou um casal que conversava seriamente. A mulher tinha a postura tensa, os braços cruzados. O homem tentava falar de perto, pegou uma mecha do cabelo que caía solto próximo ao rosto dela, mas também tinha a expressão séria, inevitável. De repente a conversa acabou. Assim, sem ódio, mas sem amor. A mulher que não era mais parte de um casal virou e saiu andando, mais uma na multidão. Antes de desaparecer, passou a mão sobre a face, talvez para tirar o excesso de emoção, talvez uma lágrima.

A primeira mulher continuou observando as pessoas a sua volta, deixando suas gargalhadas e conversas amenas pairarem no ar, quase palpáveis. Sentia a expectativa crescente ao redor, as vozes se elevavam, o burburinho aumentou subitamente, a banda ia começar. O aperto no peito que vinha sentindo desde antes de chegar diminuiu. Aqui no meio da multidão ela podia fingir que era igual a todo mundo.